Casa Vergílio Ferreira

Casa Para Sempre: onde a palavra se faz lugar

por Rui Campos

Em Melo, no coração da Beira Alta, descobri um lugar onde a literatura deixa de ser abstração e se torna espaço habitável. A Casa Para Sempre — Vergílio Ferreira não é apenas uma homenagem arquitetónica ao autor de Manhã Submersa. É um gesto contínuo de aproximação à sua escrita, uma convocação sensível à leitura e ao pensamento.

Cheguei a Melo movido por afinidades antigas e recém-descobertas: raízes familiares que me ligam àquela terra e o fascínio permanente pela obra e pela lucidez de Vergílio. Cheguei com a câmara na mão, como quem se prepara para recolher vestígios — mas depressa percebi que não era ali a imagem que se colhia: era o espanto.

Esta casa, inspirada na “casa amarela” do romance Para Sempre e de Cartas a Sandra, foi pensada não como um santuário, mas como um lugar de inquietação. O que se propõe ali não é apenas recordar Vergílio Ferreira — é escutá-lo. Ou melhor: ser escutado por ele, nas entrelinhas do espaço e nas sugestões silenciosas que cada sala evoca.

Mais do que uma componente museológica, o que ali se vive é uma experiência literária que nos compromete. Porque a obra de Vergílio não se expõe — exige. Exige presença. Exige pensamento. E exige, sobretudo, uma entrega íntima à finitude das coisas, à beleza breve do mundo, ao enigma do tempo.

O segundo andar da casa acolhe uma Residência Artística, criada para que artistas de várias disciplinas possam ali pensar, criar, relacionar-se com a paisagem, com a aldeia e consigo mesmos. É um gesto coerente com a obra de um autor que sempre dialogou com a música, a pintura, o cinema e as mais subtis formas do indizível.

E ao caminharmos por Melo — essa aldeia agora elevada à condição de “aldeia literária” — percebemos o alcance mais profundo do projeto: tornar o território não num palco da memória, mas num lugar de futuro. Porque promover Vergílio Ferreira é também valorizar o silêncio da montanha, o telhado que o viu crescer, a pedra onde assentou a interrogação que percorre todos os seus livros.

Aquilo que se vive nesta casa é, afinal, a possibilidade de olhar para a literatura como se fosse uma morada. Ali, onde tudo convida à interioridade, redescobri a pergunta central da escrita vergiliana:
 e se a vida for só isto — mas isto for tudo?

Fotografei muito. Deixei-me levar pela luz que entrava pelas janelas como se fosse pensamento. Mas saí com a certeza de que quero regressar. Não apenas para refotografar com mais calma, com um tripé — mas para voltar a esse estado de disponibilidade rara que o lugar impõe.

Porque há casas onde se mora. E há casas — poucas — onde se pensa. Esta é uma dessas.

— Rui Campos
 Melo, julho de 2025

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