Roteiro de Eduardo Lourenço, na Cidade da Guarda
O Roteiro de Eduardo Lourenço foi criado originalmente pelo Museu da Guarda. O Roteiros da Guarda adaptou-o para que melhor pudesse ser usado online.
1. Sé da Guarda
“Simbolicamente sede de um dos mais prestigiados bispados do reino, a Guarda não sabia – ninguém se preocupava muito com essas fantasmagorias – que um dia seria por dentro menos do que era então, uma cidade coroada por uma Sé fortaleza, navio de pedra ao alto da montanha. E esse navio às avessas é ainda hoje o brasão de uma história que só espera de nós descubra outra vocação, outro rumo, para ter tanto sentido como o tinha nesse tempo em que a sombra de Castela não nos deixava dormir.”
(Oito séculos de altiva solidão”, 1999)
2. Liceu Afonso de Albuquerque | Atual Escola de Santa Clara
Não disfarçando a sua nostalgia da infância e juventude também passada em parte da Guarda, Eduardo Lourenço escreveu, depois de ter recebido uma carta de agradecimento pela doação de livros seus que fez à biblioteca municipal: “uma maneira de consagrar à Capital do Distrito onde eu nasci uma função de preservar alguma coisa do menino que eu fui nesta cidade onde entrei no Liceu, aos 10 anos, onde fiz a 3ª Classe e a quem me ligam tantos laços afectivos” (Um dom com memória futura”, 2008).
Não foi possível determinar em que escola andou em 1932; escrevendo a esse respeito “Nesses oníricos anos da minha terceira classe, a Guarda era (…) o primeiro encontro com os outros” (“Lembrança espectral da Guarda, 1995).
Todavia está estabelecido que frequentou, em 1934, o 1º ano do ensino secundário no Liceu Central Afonso de Albuquerque, que ficava então na atual Escola de Santa Clara.
O atual conjunto escolar, edificado então na designada Mata, foi inaugurado em 1969.
3. Rua do Encontro
Anote Rui Jacinto: “Voltou posteriormente à Guarda e aí realizou o exame de admissão ao Liceu (…). No boletim de matrícula (1933-34) o pai indica como residência a Rua do Encontro. Terá aí residido quando frequentou com aproveitamento o 1º ano no Liceu Afonso de Albuquerque”. (Rui Jacinto, in Iberografias, nº 34, 2018, p.34)
4. Farmácia da Misericórdia
Um belo dia, “vindo de Lisboa a caminho de França, (…) percorria. Minha antiga cidadezinha, entretanto crescida e moderna, como um extraterrestre. Onde ninguém nos conhece, somos espectros de nós mesmos. A cidade estava quase deserta. Era noite. De súbito, reconheci, encostados contra os cunhas da Farmácia da Misericórdia, onde há séculos, como diria o Eça, se discutia a política deste mundo e do outro, um antigo amigo de meu pai parecido (…) que em cada fim do mês largava para Lisboa para jogar numa noite o seu parco ordenado de capitão. Meu pai, pai de tanto filho, era o contrário desse personagem, mas essa extravagância fascinava-o. Não ousei falar-lhe. Não me quis confrontar com o meu próprio espectro. O Tempo da Guarda tornara-se legenda.” (“Lembrança espectral da Guarda”, 1995).
5. Coliseu da Beira
Numa sala de espectáculos que existiu entre 1911-1944 na Guarda, tomou o gosto de ir ao cinema: “Naquela época, abordará a este páramo pátrio o sonho portátil que chamamos cinema. Aquele que será para mim como o livro de imagens da “História sem fim”. Nas ruas cantava-se o “Teodoro não vás ao sonoro”. Aqui vi o primeiro filme de Cowboys que não tinha ainda a dignidade dos westerns, Tom Mix, rei dos Cavaleiros, e uma versão extraordinária de Romeu e Julieta, com Norma Shearer que podia, à vontade, ser avó de Romeu. Pelo menos mãe. Pareceu-me sublime.” (“lembrança espectral da Guarda”, 1995).
6. Câmara Municipal da Guarda
Neste edifício, inaugurado em 1993, foi prestada a Eduardo Lourenço, em Setembro de 1995, uma homenagem durante a qual proferiu o célebre discurso “Lembrança Espectral da Guarda”. Em Novembro de 1999, na sessão solene das Comemorações dos oitocentos anos da Guarda, na actual sala Almeida Santos, proferiu a notável oração de sapiência “Oito Séculos de altiva solidão”. Nessa intervenção concluiu, já de improviso, do seguinte modo: “essa é a vocação que eu desejo para a Guarda. Que ela seja hoje a sentinela de um futuro comum para uma ibéria que é um dos pólos dos pólos desta Europa onde todos nós queremos estar e onde, querendo ou não, já estamos”. Lançando assim a semente do que viria a ser o Centro de Estudos Ibéricos.
7. Hotel de Turismo
Projectado por Vasco Regaleira, em 1936, o icónico hotel cuja construção tinha sido iniciada em 1936 só estaria concluído em 1947. Fechou as portas no dia 31 de Outubro de 2010.
Convidado pela câmara, Eduardo Lourenço hospedou-se neste hotel por diversas vezes. Por exemplo em Novembro de 1999 quando participou na sessão solene comemorativa do VIII Centenário da Cidade da Guarda e, em final de Abril de 2004, como recorda Rui Jacinto: “Após uma viagem direta do Aeroporto de Lisboa, onde Eduardo Lourenço acabará de aterrar, vindo de Nice, ao chegar ao Porto da Carne, o céu embrulha-se à medida que iniciamos a subida para a Guarda. A atmosfera começa a ficar cada vez mais cinzenta, o frio adensa-se e, ao pararmos em frente ao Hotel Turismo, começam a cair uns farrapos de neve. Eduardo Lourenço olha em redor e exclama ao ver as árvores do Jardim José de Lemos a ficarem coloridas de branco: “Esta é a minha Guarda!” (Rui Jacinto, um Iberografias, n° 17, 2021, por. 322-323”).
8. Bairro do Bonfim
Em 1935, Eduardo Lourenço matriculou-se no Colégio Militar, em Lisboa, onde comentou o ensino liceal. As férias eram passadas na Guarda, onde residiam os irmãos e a mãe. Primeiramente na Rua Batalha Reis e posteriormente numa casa, no Bairro do Bonfim.
9. Jardim em Frente ao Quartel (atual Jardim José de Lemos)
Deste lugar, ficou na memória de Eduardo Lourenço o seguinte ambiente Sonoro: “ a rádio, nas tardes imóveis dos domingos, enchia o jardim em frente do quartel com a sua música melancólica de Fado, de Tangos, ou notícias de um Mundo onde se preparavam desastres UE, como sempre, não nos diziam respeito”. (“Lembrança espectral da Guarda”, 1995).
Neste jardim foi inaugurado, a 23 de Maio de 2023, o busto do filósofo e ensaísta, da autoria do escultor guardenses Pedro Figueiredo, no âmbito das comemorações do Centenário do nascimento de Eduardo Lourenço.
10. Antigo Convento de São Francisco / Batalhão de Caçadores n°7
O antigo Convento de São Francisco foi transformado em Quartel Militar em 1834. Estava ali instalado o Batalhão de Caçadores n° 7 (1929-1961), herdeiro do regimento de infantaria 12 (1846-1931). Em 31 de Janeiro de 1966 regressa à Guarda o RI 12 até 31 de Março de 1975. Nessa altura é criado o Destacamento da Guarda do Regimento de Infantaria de Viseu, para, a 01 de Janeiro de 1977, passar a Unidade Independente com a designação de Batalhão de Infantaria da Guarda (BIG). O BIG é dissolvido em Novembro de 1982. Em 1947 Eduardo Lourenço prestou nesse aquartelamento serviço militar como Aspirante a Oficial Miliciano, no então Batalhão de Caçadores n°7.
11. Rua Batalha Reis
A família viveu na mesma rua do autor do romance Maria Mim (1939). Eduardo Lourenço recorda “Dos (poetas) vivos, vi passar na rua, envolto em soturnidade, Nuno de Montemor, a caminho do lactário desta cidade, um autor da nossa província profunda que evocava para um largo público católico do país, dramas e paixões do mundo eclesiástico” (“Lembrança Espectral da Guarda”, 1995).
12. Sanatório
Da casa onde a família residia, localizada na Rua Batalha Reis, podia observar, comparando-o com a atmosfera de Davos-Platz, o “Célebre sanatório de onde se escoavam às vezes para as ruas da cidade criaturas pálidas que atravessavam, desviando-se das pessoas sãs, como fantasmas”. (“Lembrança espectral da Guarda”, 1995)
13. Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço (BMEL)
A atual biblioteca foi inaugurada a 27 de Novembro de 2008. O Município homenageou o professor, filósofo e ensaísta, associando o seu nome à biblioteca municipal. Está dispõe de um fundo documental com cerca de 100.000 volumes, 3.000 dos quais provenientes da biblioteca particular de Eduardo Lourenço. Nos anos consecutivos à sua inauguração, o ensaísta participou aí em diversas iniciativas. Os vários espaços do edifício são designados por títulos significativos da sua obra: “Tempo e Poesia” (auditório); “A Nau de Ícaro” (espólio de Eduardo Lourenço) e “Nós Como Futuro” (Serviço Educativo).
14. Centro de Estudos Ibéricos (CEI)
O CEI nasceu de uma ideia de Eduardo Lourenço, lançada no discurso “Oito séculos de Altiva Solidão”, proferido na sessão solene das comemorações do 8° centenário da concessão do foral à cidade da Guarda. Criado formalmente em Maio de 2001, o CEI tem vindo a afirmar-se como pólo privilegiado de encontro, reflexão, estudo e divulgação de temas comuns e afins a Portugal e Espanha, com especial incidência na região transfronteiriça (Rui Jacinto, in Iberografias, n°17, 2021, pp. 322-323). O acompanhamento continuado e de proximidade que o ensaísta fez até 1018 acabou por moldar a opção estratégica de CEI e balizar a missão assente no lema: conhecimento, cultura e cooperação. Em 2017 foi implantado um memorial a Eduardo Lourenço, da autoria do artista espanhol Florêncio Maillol, nos Jardins da Quinta do Alarcão entre o CEI e a BMEL), atualmente Campus Internacional de Escultura Contemporânea.
15. Rotunda do G (Homenagem a Eduardo Lourenço)
A rotunda foi inaugurada em finais de 2000. No centro domina uma escultura de Lourdes Borges, representa tanto a letra G, inicial do Nike da cidade da Guarda, como a forma sugestiva de um corpo de uma mulher. Num painel de arte urbana, a fazer lembrar a cenografia do monumento dedicado aos fundadores dos Estados Unidos da América, no Mount Rushmore – pintado pelo artista espanhol SFHIR (Hugo Lomas), no âmbito da primeira edição do Simpósio Internacional de Arte Contemporânea, em Junho de 2016, aparece retratado entre Vergílio lFerreira e Augusto Gil, Eduardo Lourenço. Além destas três personalidades, no painel figuram ainda Sacadura Cabral e Nuno de Montemor.
Biografia do Eduardo Lourenço
Eduardo Lourenço nasceu em São Pedro de Rio Seco (Almeida) a 23 de maio de 1923 e faleceu em Lisboa, a 1 de dezembro de 2021.